A controvérsia consiste em definir o juízo competente para processar e julgar ação de indenização por danos materiais e morais em virtude da ocorrência de supostos danos decorrentes de atividade de exploração de complexo hidroelétrico, o que demanda que se verifique se as vítimas de supostos danos podem ser consideradas consumidores por equiparação (bystander).
Na hipótese, sustenta-se que a atividade desenvolvida pelas sociedades empresárias de produção de energia elétrica, apresenta defeito que ultrapassa os limites do ato de exploração de potencial hidroelétrico a ponto de causar danos materiais e morais em razão do impacto causado no desenvolvimento da atividade pesqueira e de mariscagem.
O conceito de consumidor está previsto no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que o define como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
A legislação consumerista, ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, ampliou o conceito para abranger todas as vítimas do evento danoso. Trata-se da figura do consumidor por equiparação (bystander), prevista no art. 17 do CDC.
A equiparação, no entanto, aplica-se apenas nas hipóteses de fato do produto ou serviço, nas quais, segundo a doutrina, "a utilização do produto ou serviço é capaz de gerar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros, podendo ocasionar um evento danoso, denominado de 'acidente de consumo'".
Como já entendeu esta Corte, "o defeito (arts. 12 a 17 do CDC) está vinculado a um acidente de consumo, um defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à segurança física e psíquica do consumidor. O vício (arts. 18 a 25 do CDC), por sua vez, causa prejuízo exclusivamente patrimonial e é intrínseco ao produto ou serviço, tornando-o impróprio para o fim que se destina ou diminuindo-lhe as funções, mas sem colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor" (AgRg no REsp 1.000.329/SC, Quarta Turma, julgado em 10/8/2010, DJe 19/8/2010).
No âmbito jurisprudencial, esta Corte Superior admite, nos termos do art. 17 do CDC, a existência da figura do consumidor por equiparação nas hipóteses de danos ambientais.
Desse modo, na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial destinada à fabricação de produtos ou prestação de serviços, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Observa-se, não obstante, que os danos alegados decorrem do processo de produção de energia elétrica como um todo, isto é, da própria atividade desenvolvida, o que, a teor dos arts. 12 e 14 do CDC, é suficiente para atrair a disciplina normativa da responsabilidade por fato do produto ou do serviço e a caracterização da figura do consumidor por equiparação.
Não se pode olvidar, nesse contexto, que a atividade empresarial desenvolvida, na espécie, destina-se à produção de um verdadeiro produto, pois, nos termos do inciso I do art. 83 do CC/2002, as energias que tenham valor econômico possuem natureza jurídica de bem móvel.
Além disso, pouco ou nada importa perquirir se a energia produzida é utilizada pelas próprias rés, se é distribuída ao cidadão como usuário final ou se é entregue a alguma entidade da Administração Pública para posterior distribuição. Isso porque, em qualquer das hipóteses, observa-se que as recorridas exploram o complexo hidroelétrico em prol da atividade empresarial por elas desenvolvida.
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